Alexandre Francisco Diaphra ou Biru é português nascido em Lisboa, com raízes em Guiné-Bissau e Angola. Artista multimídia, mistura sua poesia em spoken word e rap com beats abstratos, jazzisticos e psicodélicos.
Em 2015 lançou um trabalho em formato audiovisual, mesclando produções instrumentais de identidade única com samples, instrumentos e percussão intensa aliados a letras poéticas e um vídeo experimental.
‘Blackbook Of The Beats‘ é espetacular! Aperte o play no player abaixo, assista, ouça e faça uma uma boa viagem sonora… Depois leia a entrevista.
Não é de hoje que Biru vem atuando no cenário português. O artista multifacetado já está há alguns anos criando lírica e musicalmente, sempre de maneira criativa e singular. Trocamos uma idéia com ele pra saber um pouco mais o que se passa em sua cabeça. Saca só o papo!
SPM: Pra quem não te conhece, apresente-se e conte um pouco de sua história na música.Diaphra: “nasci numa mansão
como filho do caseiro
Éden era o jardim
E o meu pai o jardineiro “
Meu nome é Alexandre Francisco, também conhecido como Biru e mais recentemente como Diaphra. Há quem me diga MC, Rapper, Poeta, Slammer, Performer, Beatmaker mas na real sou apenas um humano cheio de humanidades, e o meu trabalho é uma tentativa de expressá-las e partilhá-las de forma genuína.
“Só estou nisto há um segundo e a minha história ainda nem começou.”
Esta frase resume a minha relação com a música e com a arte em geral. A música que faço é uma autodescoberta e uma ferramenta de expressão muito pessoal. Acredito que quando me for ela será um auto retrato muito fiel à minha pessoa. Ela conhece-me, e desconhece-me também, bem melhor que eu.
Isto tudo para dizer a quem está interessado em me conhecer e saber um pouco mais sobre mim o melhor é tomar contacto com o meu trabalho que começa talvez de uma forma mais consciente em Sintra, Portugal, e com o beat na sua forma mais crua, só madeira e pele, um djembe. Eu já escrevia na altura mas nunca me tinha aventurado no microfone mas do djembe que mal tocava para o rap foi um pequeno salto.
E foi quando um rapper chamado Existereo entrou no cenário que tudo mudou. Vindo de Los Angeles da lendária crew de graffiti CBS e do não menos lendário grupo de rap Shapeshifters, o Existereo um dia mostrou-me uma cassete de um super rapper de uma super crew chamada Project Blowed casa dos gigantes Freestyle Fellowship. A cassete era da música de um amigo dele o Busdriver e ele mostrou-nos, a mim e aos meus amigos das sessões experimentais, a música Imaginary Places e “boom” minha cabeça nunca mais foi a mesma. Desde a abordagem jazzística, ao próprio flow à crueza do beat com um baixo monstro uma flauta bem louca a tocar Chopin (acho eu) e o scratch do D-Styles, tudo era fresco.Com o tempo o próprio Existereo tornou-se um mentor para mim e providenciou-me uma dieta que fez toda a diferença. Ele acabou por gravar o seu primeiro disco Dirty Deeds and Dead Flowers em Sintra e foi o meu primeiro registo musical com um lançamento oficial. O disco saiu em 2003 e na altura a Europa tinha ouvidos postos no que se andava a fazer na Costa Oeste que estava com um som completamente fresco bem diferente do que se fazia no Hip-Hop a nível mundial e aqui surgiu a oportunidade de fazer uma tour pela Europa a “Shut Up and Rap Tour”, eu nesta altura já me tinha mudado para Inglaterra e saltei para bordo, fizemos Europa e a seguir fomos para os Estados Unidos fazer a Costa Oeste, quando dei por mim estava lado a lado com os meus heróis.
Uma curiosidade é que eu sempre rimei em português. Mas as pessoas sentiam-me. Às vezes até me diziam do que se tratava a música. Para mim isto era estranho mas perfeito. Sentia a oportunidade de internacionalizar o meu trabalho.
E entretanto no meio disto tudo alguém chamado Innaspace, irnão do Existereo, também super talentoso, deixou-me um bichinho da produção ao mostrar-me algumas coisas que ele fazia na SP-808.
SPM: Você começou a rimar em 2003, certo? Como se deu essa evolução do Birulexicon até o artista multifacetado Diaphra?
Diaphra: Em 2003 foi quando decidi ser Rapper profissional. Uma grande piada para alguém como eu em Portugal. Uma piada de mal gosto hahaha. Mas estava bem bêbado num karaoke de um restaurante Chinês e não me pareceu má ideia na altura. A evolução se deu porque no dia a seguir ainda de ressaca acordei bem cedo e escrevi 16 barras. E até hoje tem sido assim, acordar cedo e deitar tarde.
Cresci a ver os meus pais a fazerem o mesmo, o trabalho e a exaustão não me assustam. Tanto que aprendi a valorizar o descanso só para poder trabalhar melhor. Praticar o corpo e comer bem, o que não é o mesmo que comer muito hahahaha, também ajuda.
E muita água.
Diaphra nasceu depois da minha primeira viagem a São Paulo em Novembro de 2010, mês da consciência Negra. Para mim consciência não tem cor mas na realidade Negro é mais para além de cor, Negro é origem. É o início de tudo, o nada que na realidade é o potencial de tudo que está para vir. E foi isto que se deu em São Paulo eu me encontrei frente a frente com este Alexandre Francisco Diaphra. Apenas o nome, o sopro. E abracei este desconhecido. Confesso me sentir intimidado de vez em quando com ele, ou ela, ainda não sei bem qual a polaridade desta energia, talvez até nem tenha polaridade.
Para mim foi uma folha branca. Acho natural ao ser humano quando chega a um lugar desconhecido procurar algo que lhe seja familiar. E acho também que foi daqui que nasceu o livro de rascunhos Diaphra’s Blackbook of The Beats, que na essência é isto mesmo : rabiscos – uma exploração do espaço em branco que encontrei no negro. Literalmente o que há para além do rapper Biru(LexIcon), o que há para além daquilo que sei. Sendo Lexicon a palavra e Icon a imagem, na realidade sempre fui multifacetado apenas não o sabia. Diaphra é aquilo que eu não sei mas que de alguma forma consigo praticar de olhos fechados.
SPM: Fale sobre o conceito deste seu trabalho solo ‘Diaphra’s Blackbook Of The Beats’?
Diaphra: Este trabalho apesar de ter saído em 2015 pela Bazzerk/Mental Groove (França-Suíça) data de 2012. E hoje tenho uma distância um pouco maior o que me permite responder à tua pergunta de uma maneira mais sóbria. Mesmo assim há um artigo escrito pelo Laurent Fintoni para o Bandcamp que o descreve muito melhor do que alguma vez eu serei capaz.
Para mim é uma beat tape com apontamentos de spoken word, um trabalho cru no sentido de estar próximo da ideia com uma abordagem semelhante à técnica literária chamada “fluxo de consciência”. Na verdade há no trabalho uma mistura de literatura com música e artes plásticas, com uma componente visual que eu acho forte.
O trabalho de produção de beats foi maioritariamente realizado no exterior, fora do ambiente de estúdio, inspirado no ambiente onde me encontrava, por exemplo enquanto circulava em transportes públicos ou à beira do rio Tejo; e inspirado noutros artistas, desde instalações ou algumas vezes enquanto estes artistas desenvolviam a sua arte eu produzia os beats usando um sampler e um gira-discos portáteis. Lado a lado com o Manuel Lino que se apresenta como videografo e que filmava todo o processo que depois com a base instrumental montava pequenos vídeos alusivos ao momento da criação. Para além de fotografar com câmaras fotográficas vintage bem maradas. Eu também trazia comigo o meu blackbook na mochila e escrevia sempre algo na altura que acabava por passar a outro parceiro, o artista plastico Fidel Évora (artwork da capa). O Fidel baseado no beat e nos meus rascunhos fazia os dele em desenho. E assim a gente foi.
A ideia original do Blackbook era um mix destes universos, som, desenho, fotografia, video e escrita. Chegamos até a compilar um livro desta forma. Mas na altura os recursos não nos permitiram avançar assim. E resolvi em conjunto com a editora simplificar e oferecer ao publico a oportunidade de fazer o seu próprio blackbook oferecendo o audio e o visual (em DVD) como inspiração na compra do Moleskine com páginas brancas ou pretas com o artwork do Fidel Évora na capa. De qualquer forma se alguém está a ler isto e estiver interessado ou conhecer alguém que possa estar interessado em lançar esta versão do Blackbook ainda é algo que temos o desejo de concretizar. Faria todo o sentido uma reedição neste formato com alguns beats que ficaram na gaveta, por exemplo.
Há outro lado não tão óbvio e acho que foi o único vestígio de pretensão com esta criação e que foi a minha intenção de mostrar que para criar algo como uma peça de arte, objeto cultural, basta vontade, absorvermos o que o nosso ambiente nos oferece e juntar forças com os nossos iguais para fazer acontecer. Era a minha resposta à dita “crise” e aos cortes na cultura e educação e ao velho lamento de que o estado mais uma vez não nos apoia e quando a crise aperta a primeira coisa a cortar é a cultura e a educação. A mim aflige-me mais o lamento que a atitude do estado. Aqui tenho de estender a minha mão ao Miguel Silva do departamento de Marketing e Cultura da Red Bull Portugal, que foi o único contributo que tivemos a nível financeiro mas que fez diferença.
SPM: Você teve passagens pelo Brasil nos últimos anos. Como foram essas experiências?
Diaphra: Mágicas. Deus é mesmo brasileiro. Podia-me ficar por aqui e até terminava bonito hahaha
A minha primeira vez foi em 2010 com o grupo Social Smokers, fomos a São Paulo, como o primeiro grupo de Slam Poetry em português. Nessa altura conheci a Roberta Estrela d’Alva, uma força de mulher, atriz, slammer, poeta, escritora e ativista e o seu grupo Núcleo Bartolomeu, uma família pesada. E reencontrei também com uma figura que se tornou incontornável para mim o Vinicius Terra, também multi-dimensional e ao serviço da Lusofonia. Reencontro porque nos conhecemos pela primeira vez em Portugal e na altura ele se deslocou do Rio a São Paulo com o seu comparsa, o Léo Almeida, que tem registado este movimento da Lusofonia dentro do Hip-Hop desde 2000 e poucos.Desta vez Social Smokers regressaram a Portugal sem mim. Eu acabei por ficar mais uma semana. Senti uma afinidade muito especial com o que encontrei em São Paulo. Cheguei também a estar com Mental Abstrato que me receberam de braços e coração abertos.
Regressei passados 4 anos em 2014, para a FLUPP dos incansáveis Júlio Ludmir e Écio Salles, eles têm feito um trabalho surpreendente com esta de levar a literatura às periferias e levar as pereferias para o mundo descentralizando os poderes e mostrando a força produtora das quebradas. Fui e participei no primeiro Slam Poetry Internacional do Brasil e da América Latina, a convite da Roberta e do Vinicius, um sugerindo o Biru e outro o Diaphra, um no contexto do Slam outro como um representante da Lusofonia com um trabalho interessante para partilhar dentro do Hip-Hop. O engraçado é que a FLUPP não sabia que se tratava da mesma pessoa. Desta fiquei dois meses entre o Rio e Sampa. Foi minha primeira vez no Rio tinha levado o meu skate e foi maior onda sentir as ruas assim. E em menos de um ano regressei, desta vez para a abertura do Experimenta Portugal inserido na Virada Cultural e foi bem louco. Bem recebido como sempre fui numa proposta do curador Rodrigo Villela, sua esposa cruzou comigo na FLUPP e me sugeriu, a ideia era trazer algo para a abertura da Virada Cultural que homenageava Portugal e que fosse diferente do Fado que normalmente é o estilo de música predominante nestas ocasiões e que também esteve presente e bem representado pelas magníficas Gisela João e a Carminho se não estou em erro. Estive menos tempo em São Paulo mas foi o tempo suficiente para me cruzar com o Mestre Carlos Dafé que me foi apresentado pela incansável Mariana Bergel, amiga de um grande mano meu e músico brasileiro residente em Portugal o Nilson Dourado que tem dado a sua luz no meu trabalho como Diaphra desde o início e que toca atualmente comigo. A Mariana é uma mulher de armas e está à frente da Bóia Fria Produções que tem feito um trabalho magnífico que tem dado voz e luz a muitos músicos Brasileiros e no meio do corre ainda arranjou um tempinho para estar comigo e me convidou a assistir ao concerto do Carlos Dafé.
Tive tempo ainda de oferecer o meu disco ao Evandro Fióti da grande máquina que se tornou o Laboratório Fantasma e vi o Emicida ao vivo também com o Mestre Martinho da Vila que já vem do tempo da minha mãe com grande sucesso em Angola, então foi bom sentir esta triangulação. Me lembrei também que conheci uma figura cujo nome não me lembro mas é um dos cabeças dos SESCs e que me disse algo no fim da minha performance no Experimenta Portugal que reforça esta triangulação : “a ligação entre Portugal e o Brasil é África”. Para mim isto faz todo sentido porque foi em São Paulo que eu me senti pela primeira vez o mais português e mais africano desde sempre, uma epifania tão clara que resultou no nascimento de Diaphra.
Antes do fim do ano a convite do Vinicius Terra regressei para a 3ª edição do Festival Terra do Rap que tinha como mote para além da África Lusófona a homenagem ao Mestre do Canão, o grande Sabotage, onde tive o prazer de atuar com o Donatinho, uma alma cheia de luz e talento e o grande espírito do BNegão. Lágrimas verteram durante esta atuação, deu para sentir o legado que o Mauro nos deixou. Eu lembro-me de acordar nesse dia ali num lugar mágico na Tijuca o Mirante da Floresta onde tínhamos nossa residência artística e de quase morrer afogado em lágrimas na banheira enquanto tomava banho. Não sei o que deu em mim mas me senti tão agradecido por estar ali e pelo que o Brasil tem feito por mim enquanto pessoa que apenas senti que tinha de estar à altura daquela homenagem. Nós tivemos um único ensaio e encontro antes do evento e ficou definido eu fazer uma leitura de um texto meu entre algumas releituras do Sabotage. O meu texto se chamava FOME e pensei que iria casar bem com o País da Fome (parte 1) do Sabota, mas depois me deparei com o País da Fome (parte 2). Então foi aí que me caiu a ficha e decidi à última escrever um texto novo, porque não podia perpetuar mais a ideia da “fome”. Como poderia eu vir do outro lado do oceano como meus ancestrais vieram mas desta vez de livre e espontânea vontade como um convidado e comportar-me como um escravo também, pegando no microfone e gritar por liberdade? Não me trouxeram do outro lado do oceano para contribuir com mais “fome” para o panorama. Eu vejo a minha relação com o Brasil como uma oportunidade de alimentar como é possível ser-se livre. Então escrevi um texto que ainda nem está acabado até hoje mas que me confronta com esta situação. Foi o texto que estreou o meu Blackbook de páginas brancas.
“macacos sobem a floresta da Tijuca
sem lembrar
quem a plantou
sim nós éramos escravos
mas olha a beleza que ali se plantou”
Este trecho para mim denota como mesmo numa condição esclavagista o cosmos se mantém em ordem e sempre belo.
Há sempre um rosa que brota mesmo num chão de cimento, mesmo que regada com sangue lágrimas e suor.
“Não é preciso sofrer para ver Deus” mas é preciso entender o que é o sofrimento.
SPM: Tem novos projetos para 2016?
Diaphra: Sim. Mas são projetos ainda. Ssshhhiuuu hahaha
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