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O BaianaSystem já vem há alguns anos sendo muito comentado e considerado uma grande aposta da musica brasileira, seja pela sua identidade sonora diferenciada ou por shows intensos e explosivos. Como esperado, o ano de 2016 definitivamente promete pra eles. O grupo acabou de lançar seu aguardado novo trabalho, “Duas Cidades“, que vem com produção lapidada por Daniel Ganjaman e, sem duvida, será um dos melhores discos desse ano.

Formado por Russo Passapusso, Roberto Barreto, Marcelo Seco e Filipe Cartaxo (responsável pela identidade visual do projeto), o BaianaSystem faz uma mistura sonora única juntando elementos tradicionais da música da Bahia com música urbana global em formato de sound system. Experimentação e improvisação são marcas registradas do grupo que já tem um trabalho de base sólida em Salvador e também fora do Brasil.

Uma de suas principais características é o uso da guitarra baiana em cima de bases eletrônicas puxadas pra música jamaicana, latina, africana e brasileira. Quem comanda essa guitarra baiana é Roberto Barreto que trocou uma idéia com a gente sobre toda essa história que promete desabrochar de vez para o Brasil neste ano. Confira o papo e chape os seus ouvidos com “Duas Cidades“.

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Russo Passapusso, Marcelo Seco e Roberto Barreto

 

SPM: A música de vocês é global. A guitarra baiana e a percussão dão o tom, mas ouve-se reggae, dub, rap, rock, musica latina, caribenha e africana sobre base eletrônica. Como vocês definem essa mistura sonora complexa do BaianaSystem?

RB: É sempre complicado a gente definir a nossa música. Surge mesmo dessa ideia de usar a guitarra baiana como ponto de partida junto a essa referência de soundsystem com muitas bases e estilos diferentes. O dub é bem forte, mas o rap, rock e a música latina estão bem presentes. É um mix mesmo, de referências e influências que o próprio formato permite, né? Por a gente não usar um formato tradicional de banda e ter um processo de experimentação contínuo com bases de uma música ir virando outra como aconteceu nesse novo disco, com novas letras do Russo e diferentes melodias e sugestões de guitarra que eu vou ouvindo. Nós estamos sempre experimentando e acaba sendo difícil definir como um estilo mais especifico, mas sem duvida esses estilos que você citou fazem parte. Principalmente o reggae e a musica latina/caribenha que são referências bem visíveis no som da gente.

SPM: Pra chegar em uma sonoridade original e diversificada como essa, as referências de vocês devem ser das mais variadas. Quais as influências musicais de cada um?

RB: Sim, isso vem muito das influências diversas de cada um. Russo tem o lado do samba muito forte, da música brasileira e reggae. Seko tem muito a pegada da música latina, ele tocava com o Geronimo aqui na Bahia então traz essa referência muito forte junto com o reggae também. Com essa coisa da guitarra baiana trago o choro e o frevo, mas também o rock, o reggae e a musica africana. Eu produzo há alguns anos um programa de musica africana na Radio Africa de Salvador e no período de início do Baiana eu tava muito envolvido com a musica de Angola e do Congo que tem essa coisa de guitarras e de melodias brincando com a voz, então talvez seja uma referencia muito forte na minha maneira de tocar e isso reflete bastante no som do Baiana também.

SPM: Durante o Carnaval de Salvador vocês estão colocando o Navio Pirata, trio elétrico em versão soundsystem, na rua e arrastando multidões nos últimos anos. Como surgiu essa idéia e por que criar esse trio?

RB: Desde o início do Baiana a gente participa e toca durante o Carnaval de Salvador. É uma referência muito forte pra gente da musica como acontecimento social e como festa. Quem é de Salvador e quem vive aqui, gostando mais ou menos de Carnaval, sabe de sua grande importância por tudo que ele representa e agrega pra cidade. E a própria concepção de enxergar o trio elétrico como um grande sound system e dessas experimentações que já acontecem naturalmente nos trios elétricos, seja quando era somente instrumental com as guitarras tocando em uma mesma base de frevo ou merengue, ou os blocos afro com bases de percussão e os cantores cantando diferentes musicas em cima dessas bases.

Por nós termos esse interesse pelo carnaval, aos poucos fomos sentindo essa vontade de voltar aos trios como eram antes, um pouco menores, aproximando mais do publico e conseguindo uma comunicação melhor. Então pensamos nessa idéia do nosso trio. Há três anos a gente buscou um carro e veio melhorando o som e coincidentemente junto com isso também começou um movimento com trios mais independentes, menos blocos. E o Navio Pirata veio junto desse conceito todo, trabalhando também a parte visual, com as mascaras.

No primeiro ano com o Navio Pirata estávamos lançando o EP “Pirata” e nós trabalhamos um pouco nesse conceito da ‘pirataria’ no mercado de Salvador, seja pela forma independente como a gente produz os shows, lança os discos, singles. Quando o Cartaxo precisou definir a concepção do trio, trouxemos essa idéia do navio pirata ali no meio de um mar de gente que é o Carnaval e isso ajudou muito a gente nesse discurso e nessa ideia de como a gente se via ali dentro do Carnaval e como poderíamos contribuir pra isso.

SPM: Vocês acham que ações como o Navio Pirata polarizam e alcançam um público maior pro Baiana que talvez não alcançasse sem essas apresentações especiais durante o Carnaval?

RB: Com certeza. O fato do Carnaval ser a festa de uma dimensão gigantesca e a gente estar participando disso mesmo estando nesse mercado mais independente, é um grande diferencial. Nós conseguimos estar inseridos dentro dessa festa comunicando pra um numero maior de pessoas e isso chega com muito mais força pela própria força que o Carnaval tem. E o Carnaval é um assunto que nos interessa muito desde sempre. Pela própria coisa de surgir da guitarra baiana que é a origem do trio elétrico e até pela parte visual. Usamos muitas referencias de Festa de Largo, de festa de rua, popular. As própria letras de Russo tem um dialogo e experimentação com o publico o tempo inteiro. Isso são linguagens muito fortes no Carnaval. Nós sentimos que participando do Carnaval e estando dentro dessa festa amplifica ainda mais a dimensão do nosso trabalho de uma maneira geral.

SPM: A musica feita na Bahia ficou muito estigmatizada pelo chamado ‘Axé Music’ nas últimas décadas dificultando a exposição de artistas baianos de outros gêneros. Como vocês enxergam o cenário atual da música baiana sendo um dos nomes de maior destaque?

Há alguns anos tem tido uma diversidade muito grande de artistas e de produções relevantes na Bahia. Tem a Orquestra Rumpilez, OQuadro, Opanije, Manuela Rodrigues, enfim, é difícil citar nomes porque você sempre esquece um ou outro, mas temos uma produção muito grande em vários segmentos musicais.

Também tivemos o enfraquecimento desse mercado do Carnaval que acabava se estendendo além do Carnaval e estigmatizava como todo o mercado musical da Bahia, passando inclusive pelas outras épocas do ano. Isso realmente dificultava que as pessoas pudessem se aproximar da musica produzida aqui de uma maneira mais efetiva e sem preconceito. Salvador sempre foi muito produtivo, muito pulsante e com muitas coisas acontecendo, mas realmente criou-se esse estigma, principalmente pra fora da Bahia.

Por aqui as pessoas sabiam que tinha uma cena acontecendo e os últimos sete anos tivemos um engrandecimento ainda maior no mercado underground aliado com esse enfraquecimento do mercado do Carnaval baiano. Isso fez com que coisas pontuais acontecessem como o sucesso da Orquestra Rumpilez no sul do país, o Baiana também começou a ser reconhecido. As pessoas começam a ter outro olhar sobre como as coisas tem acontecido aqui. As próprias colaborações entre artistas daqui com artistas e produtores de fora fazem com que as pessoas comecem a entender e prestar atenção no que vem sendo produzido na Bahia.

SPM: Porque você acha que está acontecendo esse enfraquecimento do Axe e desse Mercado do Carnaval?

RB: Acho que por tudo isso que vem acontecendo no mercado musical baiano e também porque esse tipo de musica não vem tendo tanto destaque e aceitação como tinha antes e até pelo fato dos próprios artistas também não estarem lançando tantas musicas como antes, a produção esta em baixa também por uma série de fatores e pelo esgotamento disso tudo.

SPM: Muita gente fala que o BaianaSystem está fazendo pra música da Bahia agora o que o Chico Science e a Nação Zumbi fizeram pra música de Recife nos anos 90. O que vocês acham dessa comparação?

RB: Pra gente é difícil fazer essa comparação. Algumas pessoas falam isso, de sentirem da mesma maneira, mas dentro do nosso processo é um pouco difícil falar ou se enxergar dessa maneira. Até porque são situações diferentes, Salvador e Recife funcionam de maneira diferente. Nós não nos vemos dentro dessa comparação, mas acredito que se fale por ter essa coisa da valorização da cultura local, com a musica tradicional do nosso estado. Tendo junto a incorporação de outros elementos e referências vindas de fora, mas trazendo isso pra nossa linguagem, com as nossas raízes. A relação com a festa popular, com o carnaval, com os batuques, tambores, percussão. E isso, em uma região como o Nordeste, é muito forte. Tem suas semelhanças.

SPM: Vocês estão lançando disco novo que tem produção do Daniel Ganjaman. Como rolou esse trabalho? Porque vocês acharam que ele seria o produtor ideal pra lapidar as ideias?

RB: Foi de uma maneira natural. O disco do Russo saiu pelo selo Oloko Records que o Ganja faz parte também. Dentro disso nós o conhecemos, ele assistiu alguns shows do Baiana e gostou muito e começamos a trocar idéias. Todos nós temos uma admiração e influência do trabalho de Ganja por tudo que ele fez com Instituto, Sabotage, Otto, Criolo. É um cara que tem muito interesse por sonoridades e pesquisas que tem a ver com o nosso som, do reggae, dos beats, da mistura com a sonoridade eletrônica. Esse entendimento que ele tem de que a origem da musica daquele local tem que estar presente. Fora que ele tem uma coisa muito especial que é a sonoridade de seus trabalhos que também muito nos interessava. A gente foi se aproximando, trabalhando juntos em rascunhos, ele ia sugerindo coisas pra gente e depois fomos pra um sítio durante 1 mês onde gravamos o disco que nos deixou muito felizes com o resultado e com o processo que ele foi feito. Na maneira que ele fez com que nós entendêssemos o nosso som, organizando as idéias soltas, formatando e buscando na nossa essência, entendendo como era o processo musical do Baiana e traduzindo isso no resultado que foi esse disco.

SPM: Qual o significado do título do álbum ‘Duas Cidades’?

RB: Na verdade é o nome de uma faixa que já vínhamos fazendo nos shows e ela tem um refrão muito forte, falando de qual cidade você se encaixa, cidade alta ou cidade baixa. Que é uma referencia às duas partes da cidade de Salvador, mas também como cidades muito diferentes do ponto de vista social e econômico. Quando começamos a ver do que o disco falava e como isso tinha uma relação com o Baiana e o publico, percebemos que essa discussão das duas cidades estava muito presente, até na diversidade do próprio publico, da nossa própria cidade e, atualmente, pode-se ampliar essa visão e dizer até do nosso país e do mundo, né? Essa dualidade que vem acontecendo de uma maneira geral e o disco fala disso. Esse nome amarrou a nossa relação artística com Salvador. É uma pergunta, uma provocação e ao mesmo tempo uma resposta.

SPM: Vocês também dão uma importância muito grande ao lado estético e visual do Baiana com a presença do fotógrafo Filipe Cartaxo como um integrante do grupo. Qual a intenção de vocês em incorporar tão fortemente também a linguagem visual na identidade da banda?

RB: O Baiana ja surgiu audiovisual. O Cartaxo já estava com a gente no processo inicial de construção da ideia do Baiana. Ele pensava sobre essa identidade desde os rascunhos das primeiras musicas, trazendo símbolos e elementos do Carnaval e que acabou concebendo muito nesse conceito do Baiana. A gente caminha o tempo inteiro junto. As vezes as musicas partem de sugestões de ideias que ele ta trazendo ou quando não conseguimos comunicar em algum determinado momento através da musica, a parte visual vem comunicar isso.

Os próprios símbolos fortes que foram se agregando a isso, como a máscara, as guitarras, as partes gráficas que são também influenciadas por essa referência de festa de rua, de arte popular. Isso sempre foi muito da parte criativa e integrante do Baiana. Inclusive nos shows com as projeções e cenários. É como se o Baiana só conseguisse falar com essas duas formas: a parte visual e a parte musical juntas. Somos um projeto audiovisual na nossa essência e essas duas linguagens se comunicam e se complementam.

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Identidade visual assinada por Filipe Cartaxo

SPM: Vocês já fizeram alguns shows fora do Brasil. Fale um pouco sobre essa experiência e como surgiram os convites?

RB: Desde o início do Baiana fizemos turnês fora do Brasil. Isso também foi muito importante pra nossa formação, pra nossa sonoridade, pro entendimento do que a gente vinha fazendo e a percepção de como as pessoas enxergavam o som. Do que as pessoas gostavam e entendiam sobre os elementos locais dialogando com essa musica mais universal. Esses feedbacks dos shows, dos festivais, das criticas que saíam foram muito importantes pro Baiana.

Nós tínhamos quase que dois períodos: era o Carnaval em Salvador e de lá surgiam convites pra tocar no meio do ano fora do país. Isso nos renovava e trazia referências, fazendo a gente perceber que o nosso som estava sendo entendido e tinha um caráter de dialogo universal.

Fomos pra uma feira de musica em Xangai a convite da Secretaria de Cultura e de lá não paramos. Voltamos oito meses depois pra China por um festival que tinha visto nossa apresentação. Depois fomos nos inscrevendo em editais e recebendo convites de outros festivais. Fomos pro ‘Womex’ que é uma das principais feiras de musica do mundo e de la tocamos no ‘Fuji Rock’ do Japao, inclusive rendendo o lançamento do nosso primeiro disco lá. Participamos do ‘Voice Of Nomads’ na Sibéria e depois fomos pro ‘Brazilian Summer Fest’ em Nova Iorque que nos rendeu a ida ao festival de jazz de New Orleans. Nós não temos um agente fixo, mas estamos sempre buscando esse intercâmbio e tratamos isso como uma parte importante pro objetivo da nossa musica.

O BNegao virou o padrinho de vocês e inclusive ‘Duas Cidades’ é dedicado a ele e com release escrito por ele, certo? Como surgiu essa relação?

RB: BNegao esta com a gente desde sempre. Gravou no nosso primeiro disco, nos acompanhou desde as idéias iniciais do projeto, dessa junção da guitarra baiana com soundsystem como referência. Ele já tinha uma relação com a gente de antes, pois já vinha participar de coisas junto com o MiniStereo Publico (antigo projeto soundsystem de Russo Passapusso). Desde o início gostou, apoiou e sempre foi participando e criando uma relação muito forte e significativa pro Baiana, tanto no sentido artístico como em sentido de mercado, nos fazendo entender os melhores caminhos. Foi a primeira pessoa que falou da gente fora da Bahia. Todos os lugares que íamos vinha gente falar que tinha conhecido através dele. E nesse disco ele foi muito presente. Nós mandávamos as musicas pra ele ouvir as ideias. Ele veio nos nossos dois últimos carnavais e sua presença era muito importante pra gente. Pela confiança, pela segurança que ele nos transmitia e artisticamente era incrível a junção dele com o Baiana, sempre foi muito forte. Quando o disco ficou pronto foi uma coisa unanime entre todos nós, esse disco é pra ele. Dedicado a Bernardo Negron, de todo coração.

Ouça o álbum ‘Duas Cidades’ na íntegra.

PLAYSOM (LYRIC VIDEO)


Saiba mais:

http://baianasystem.com
http://soundcloud.com/baianasystem