Segue a entrevista com o Mayer Hawthorne que saiu na revista +SOMA #15

O ano de 2009 teve ótimas novidades na música, e o cantor, produtor, arranjador, multi-instrumentista e engenheiro de som Mayer Hawthorne foi uma das principais, tornando-se a nova sensação da música soul. Natural de Ann Arbor, Michigan, o rapaz de 29 anos roubou a cena com o lançamento de seu primeiro disco, ótimos videoclipes e ideias criativas, como um single em vinil vermelho com formato de coração.

O mais engraçado é que Mayer jamais imaginou ser cantor. Nunca participou de coral de igreja e nem teve aulas de canto quando criança. Suas fichas estavam investidas no hip-hop, como produtor dos grupos Now On e Athletic Mic League, sob o nome DJ Haircut. O codinome Mayer Hawthorne (seu nome é Andrew Mayer Cohen) não passava de uma brincadeira caseira, onde experimentava estilos de gravação vintage em seu homestudio, tocando todos os instrumentos: da bateria ao piano, passando pelos metais e por linhas de baixo que surpreendem.

Foi essa surpresa que o cabeça da Stones Throw, Peanut Butter Wolf, teve ao ouvir sua demo. Com apenas duas músicas, Hawthorne conseguiu um contrato com um dos selos mais criativos do mundo, que lançou, entre outros, Madlib, DOOM e o finado Jay Dilla. Seu disco de estreia, Strange Arrangement, foi lançado em outubro e teve ótimas críticas, com um estilo sweet soul que lembra clássicos da Motown e de produtores como Lamont Dozier. São 14 faixas em pouco mais de meia hora, nas quais o branquelo com jeitão de nerd conta histórias românticas em baladas, intercalando com músicas agitadas perfeitas para requebrar no salão. Em conversa com a +Soma, Mayer conta tudo isso e mais um pouco.

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Primeiramente, como começou sua história com a música?
Eu tive sorte de crescer em uma família musical. Meu pai é um grande baixista e me ensinou a tocar quando eu tinha seis anos de idade. Minha mãe toca piano e também canta. Dela, tirei as lições de piano. Toquei em várias bandas durante o colegial, mas era algo que ia mais pro punk rock. Até fiz coisas com o funk, mas o vício mesmo veio mais tarde. Depois me envolvi muito com o hip-hop e comecei a tocar como DJ e a produzir beats para MCs. Minhas influências são muito amplas. Vão de The Police a Smashing Pumpkins, passando por Steel Pulse, Stereolab, Public Enemy, Slum Village e, claro, os clássicos da Motown, Barry White, Curtis Mayfield e outros.

Você é de Michigan. Nos conte como o seu estado e, principalmente, a cidade de Detroit influenciaram a sua vida e sua música.
Tenho muito orgulho de representar Ann Arbor e Detroit. A história musical dessa área é incrível. Boa parte da melhor musica já feita no mundo vem de Detroit. E falo de todos os gêneros, não só do soul, que é o mais citado. Acho que parte disso tem a ver com o frio intenso do inverno e a mentalidade trabalhadora das pessoas daqui. Detroit respira criatividade!

Antes do Mayer Hawthorne, você tinha projetos diferentes. Conte-nos um pouco sobre suas outras facetas.
Eu sou DJ de hip-hop e produtor há mais de dez anos. Lancei diversos projetos com o nome DJ Haircut. Você pode conferir no meu site (www.asideworldwide.com). Chegou um momento em que resolvi mudar pra Los Angeles e seguir com a música como uma carreira de tempo integral. Mas o meu foco era o hip-hop, não o soul. O Mayer Hawthorne era um projeto paralelo que eu estava gravando no meu quarto, experimentando, somente por diversão. Nunca imaginei que isso fosse me levar aos lugares aonde estou indo nos últimos meses, ou que me traria aqui pra essa entrevista pro Brasil.

Sua música é considerada retrô, mas pessoalmente a considero muito atual. Como você a define?
As pessoas sempre vão tentar rotular, então eu não ligo muito. Não estou simplesmente fazendo musica retrô. Eu tento fazer uma música atemporal. Espero que as pessoas procurem meus discos daqui a trinta anos e que ainda soe atual. Esse é o objetivo.

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Quais instrumentos você toca no disco?
Eu toquei a maioria dos instrumentos nas músicas do álbum. Bateria, baixo, guitarra, piano, sintetizadores, sopros, percussão, etc. Tento tocar o máximo possível, mas, ao mesmo tempo, tenho músicos convidados incríveis que complementam no que é necessário.

Li declarações entusiasmadas de Peanut Butter Wolf falando do seu trabalho. Como foi o contato entre vocês?
Conheci o PB Wolf numa festa. Fui apresentado a ele por um amigo em comum que havia escutado minhas demos de soul. Mas, pra falar a verdade, eu ainda estava muito focado no hip-hop naquele momento. Nunca havia nem pensado em gravar um álbum completo de música soul ate o Wolf me chamar pra conversar e propor o álbum pela Stones Throw.

E logo a Stones Throw, né? Um dos selos mais interessantes da música atual. Como você se sente estando em uma das safras mais criativas da música americana?
Falou tudo! Criatividade é definitivamente a palavra chave! É uma honra estar gravando para o selo de Jay Dilla, Madlib, MF Doom e todos os que fazem parte da equipe. Eu, pessoalmente, sou um grande fã do Dam-Funk e do James Pants. Existe um respeito mútuo e realmente é como uma grande família. Mas é perigoso quando todos nós vamos nos aventurar em lojas de vinis usados (risos).

O single de “Just Ain’t Gonna Work Out” saiu em um formato de coração e fez muito barulho na cena pela inovação. Foi ideia sua?
Foi ideia minha, sim. Eu queria fazer do meu primeiro disco algo especial para colecionadores de vinil como eu. A ideia já estava na cabeça, mas fazer um disco vermelho e em forma de coração é um processo bem caro e complicado. Fiz a proposta à Stones Throw sem muitas esperanças e fiquei surpreso quando eles concordaram com a minha ousadia.

Como são as apresentações ao vivo?
Estou em turnê com uma banda que pra mim tem os músicos mais talentosos do mundo. Eu os chamo de “The County”. Nós demos muito duro, ensaiamos horas por dia até chegarmos ao formato que queríamos. É o show mais divertido possível.

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No clipe de “Maybe So, Maybe No”, vemos muitas referências ao skate. Você se aventura nas rodinhas?
Eu ando, mas não sou muito bom. Eu amo o skate, faz parte da minha vida desde sempre e faço o possível para apoiar e reverenciar essa comunidade. Só gostaria de andar melhor (risos).

Sendo bem sincero, escutei seu álbum em mp3 fazendo download na internet. Aqui no Brasil, se não for através de blogs ou sites de música, as cenas alternativas não chegam ao público. Como você vê essa situação?
Essa história de downloads ilegais está mudando a direção da música, quer a gente goste, quer não. Não tem como evitar. Tem tanto efeitos negativos quanto positivos, mas o principal é que veio para ficar e é melhor a gente aceitar e seguir em frente, pensar em alternativas pra lidar com isso.

Você conhece música brasileira?
Eu simplesmente amo a música brasileira. É indescritível. Sou grande fã de Marcos Valle, João Donato, Azymuth, Tim Maia, Jorge Ben, Arthur Verocai e vários outros. Os ritmos e arranjos são muito criativos, e o português é uma língua linda para a música. Espero ter a oportunidade de conhecer o Brasil, fazer shows. Tomara que essa entrevista faça um barulho por aí pra que isso aconteça.

Pra fechar, gostaria de pedir que você faça um top 5 pessoal da música soul.
Minha lista muda toda semana, mas aqui está a desta semana:
Danny Hunt – “What’s Happening to Our Love Affair”
Dee Dee Warwick – “It’s Not Fair”
Barbara Randolph – “You Got Me Hurting All Over”
The Four Mints – “Row, Row, Row Your Boat”
Frankie Karl and the Dreams – “Don’t Be Afraid, Do As I Say”

Por Daniel Tamenpi
Fotos: Divulgação